domingo, 3 de agosto de 2008

Crónicas da minha terra, CAP. I


A TUNA DE TRAVANCA DE LAGOS

Poucos são os que olhando para esta fotografia conseguem identificar alguém. Bem, olhando com mais atenção, reconhece-se ali no meio a cara do Manso, sim, mas do Manso pai. Na verdade esta fotografia data de 1929/30, assim o diz António Pereira, o então miúdo, que se encontra mais à direita da fotografia, que junto com o seu irmão, José Pereira, são os últimos testemunhos vivos deste histórico momento fotográfico.
Fiquei muito admirado quando me garantiram que esta fotografia era de Gente de Travanca. Não podia acreditar pois desde miudinho que vou a Travanca e nunca tinha ouvido falar em tal. De manifestações culturais, tirando as festas de São Pedro e um grupo de teatro criado nos anos 80, havia pouco, era um vazio cultural. Por sinal esse grupo de teatro era muito bom, dinamizado pelo então pároco da aldeia, padre Manuel, que nesse tempo “mexeu”muito com a povoação. Produziram-se algumas peças, sobretudo comédias, em que as estreias representavam casa cheia, um autêntico acontecimento local com toda a povoção a assistir.
Em poucos segundos Travanca mudou radicalmente para mim - senti a sua história, o seu passado! Tudo à volta passou a ter um outro significado, as casas, as ruas, os cantos e recantos, senti que a nossa Terra já teve outros protagonistas, muitas histórias, que porém já não se contam, mas fica a ideia de outros tempos....
Foi no café do Entroncamento, onde estava pendurada esta fotografia, devidamente emoldurada, que tive este primeiro encontro místico com o passado. Perguntei ao Sr. Neto, que é o actual arrendatário do café, se a fotografia representava alguém de Travanca. Respondeu-me que sim e que todos os que constavam da fotografia já tinham sido identificados. O Sr. Ivo era talvez o único que a conseguiria decifrar, referindo que também ele constava nela, e ainda hoje já perto dos oitenta anos ainda tocava bandolim a convite de outras terras. Desconhecia estes factos, mas lembro-me do filho Carlos, este mais do meu tempo, que tocava bem viola.
Pedi emprestada a fotografia para tirar uma cópia, sentei-me com ela no café do Osvaldo, no povo, não arredando pé até chegar o Sr. Ivo, que dizem, parava por lá habitualmente à tarde. Esperei ansioso por ele, sentia que tinha a missão de perpetuar aquela memória de Travanca, de fazer história.
Por fim chegou. Era a mesma figura que conhecera desde sempre, pouco tinha envelhecido e após nos cumprimentarmos, sentámo-nos autenticamente agarrados à fotografia. Começou por referir que fez parte da Tuna de Travanca, assim chamada, mas que naquele ano ainda não tinha entrado, tinha apenas 7 anos. Retirou os seus óculos, que para ver ao perto de nada servia visto ser alto míope, mas pouco reconheceu por ver muito mal. Disse para esperarmos pelo irmão, o já mencionado Sr. António Pereira, que estaria também a chegar e ele sim poderia identificar todos, estando ele próprio na fotografia.
Quando o Sr. Pereira chegou, pedi-lhe que nos ajudasse. Prontamente aceitou. Conjuntamente com o irmão, o Sr. Ivo, iniciámos a aventura de decifrar todos os elementos da fotografia. Para eles era como voltar à sua infância. Para mim foi um misto de contentamento e de dificuldade em registar todos os nomes e relações, assim foi o ritmo da nossa conversa. Como se chamavam, o que faziam, onde viviam tudo saltava num frenesim diabólico.
Peguei numa folha de rascunho e desenhei vinte e quatro bolas – tantas quantas eram as pessoas e no alinhamento em que se apresentavam na fotografia, que era para não me enganar – e fui escrevendo o que iam dizendo freneticamente. Repetiam algumas vezes a meu pedido.
Em cima, da esquerda para a direita, começaram por dizer, estava António Baeto – que era quem transportava a caixa com os papéis de música – depois vinha António Pereira Marcos, tocava viola – segue-se António Santos Viegas na flauta, Adelino Prata, electricista, também na flauta e Fernando Lopes Monteiro no Bandolim – tornou-se bancário em Lisboa – depois Mário Bandeira no Banjo, Feliciano Mendes Borges ao Violino – Feliciano do Queijo, tinha um armazém - e António Brito Martinho também ao violino. Por fim, em cima, Carlos Ribeiro Pina que tocava bandola.
Ao centro, também da esquerda para a direita, está Armando Brito que tocava Bandolim, depois, ao que parece sentado, está Manuel Miguel na viola – vivia e era comerciante nas Campas, depois foi para África – a seguir vem António da Felicidade – meu tio, irmão do meu avô, tocava viola, seguindo-se Manuel Martins Borges, António Mendes Borges (o Manso), Sérgio Nunes Pereira - Irmão do Sr. Ivo e do Sr. Pereira, referindo que morreu muito novo, aos 20 anos – e Basílio Lopes Monteiro , que vivia na actual casa em ruínas junto à fonte de Baixo - todos tocavam viola. Por fim ao centro vêem os nossos testemunhos, os irmãos José Teles Nunes Pereira, ao Bandolim e António Nunes Pereira também ao bandolim e mais tarde ao violino, segundo diz.
Em baixo, sentados com os instrumentos aos pés, estão os Órgãos directivos, pessoas ilustres da terra, que suportavam economicamente a tuna e que provavelmente dariam também algum prestígio ao grupo. Então da esquerda para a direita, vem Batista Lemos – que era embarcadiço em Angola e morava na casa branca pegada à Fonte de Baixo – depois o Sr. mais idoso da fotografia era  Luís Martins Borges – pessoa ilustre e benfeitor de Travanca, que vivia no Entroncamento, na casa conhecida atualmente por casa do comandante, junto à rua com o seu nome – seguindo-se José Pinto Ribeiro, o Mestre da Tuna. Ao lado estava José Brito, o presidente da direcção da Tuna e também presidente da Junta de Freguesia nessa altura – era proprietário de uma agência de viagens em Oliveira do Hospital (Agência de Passagem e Passaportes) – e Diamantino Marques Neto, que vivia entre "a casa do Renato" e os jardins da actual junta de freguesia. A sua filha, D. Piedade era casada com um irmão do Comendador Costa Carvalho, também figura ilustre de Travanca. Por fim, está o Sr. Morgado que era ferroviário, desempenhando, segundo o Sr. Pereira, um cargo de chefia.
Fica assim relatada esta memória histórica, para o povo de travanca, que de outra forma poderia perder-se para sempre.
JDuarte

5 comentários:

  1. o Meu Pai Eugénio Mário de Carvalho também tocou na tuna, banjo, entre 1942-1945, não está nesta foto, esta foto é mais antiga.

    Um abraço

    Eugénio Carvalho

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  2. Peço desculpa por só agora me ter apercebido do seu comentário, que desde já agradeço. E o Mário terá porventura uma foto dessa época, ou ainda, fotos antigas de Travanca que pudesse partilhar? - seria interessante ir assim reconstruindo o passado. Fico a aguardar.

    Um abraço

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  3. Achei este blogue muito interessante, aqui conheci o meu trisavô, e nela tembém estão presentes os meus tios, Ivo, Sérgio e José Teles.

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  4. Caro amigo, quem é o seu trisavô? quanto ao seu tio, o Sr. Ivo, não ficou nesta fotografia.

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  5. engraçado tenho 60 anos lembro me da tuna das marchas que faziam do Ivo claro, mas a tantos anos e tao bom recordar .convivi muitos anos com o Felicianinho mas nesta foto nao o reconheço , muito obrigado por nos mostrar a foto,

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