sábado, 21 de abril de 2012

Património Arqueológico Rupestre



II - Época Alto-Medieval

Sepulturas Escavadas na Rocha


As sepulturas rupestres escavadas na rocha, também conhecidas pelo povo como “ covas ou pias mouras”, são um artefacto da antiguidade que a arqueologia moderna situa hoje na Alta Idade Média, embora não as atribuam especificamente a uma cultura ou a um povo.
Os estudos efectuados situam- nas entre o séc. VII e XI. Contudo, é interessante  reparar que nesse período, no território que hoje é Portugal, vivíamos sob o domínio árabe e, nesse ponto, o povo parece refletir essa memória do passado, pois chama-as de "Mouras".
Os estudos sobre esta matéria iniciaram-se em Portugal nos anos 30 e multiplicaram-se a partir dos anos 90, visando sobretudo estabelecer a sua cronologia e a tipologia. Muitos autores contribuíram com as suas investigações, desde Leite de Vasconcelos e Santos Rocha, passando por Ferreira de Almeida, Barroca, Del Castillo, Catarina Tente e Sandra Lourenço, etc.
Houve quem defendesse que estas sepulturas remontavam à época romana, devido à existência de tégulas e imbrices nas suas proximidades, materiais tipicamente romanos. Outros defenderam que remontavam à época proto-histórica devido ao facto de estarem perto de povoados proto-históricos e finalmente, já nos anos 70, atribuíram-lhes uma cronologia Medieval ou Alto Medieval.
Quanto à tipologia e a sua relação com a época ou género, para Del Castilho, por exemplo, as sepulturas mais antigas eram não antropomórficas (tipo banheira) e  datou-as como tendo origem por volta do sec.Vll e as antropomórficas (em forma de homem) como sendo típicas do período da Reconquista Cristã. A passagem de um para o outro tipo teria ainda um intermédio, iniciado com o ligeiro delinear do contorno do ombro esquerdo em meados do séc. IX e  atingindo o antropomorfismo no séc. X. Alguns autores atribuíram o antropomorfismo às sepulturas masculinas, as ovaladas às femininas e as pequenas às sepulturas de crianças.
Ao longo dos últimos anos foram estudadas e inventariadas muitas estações arqueológicas no nosso concelho,  especificamente, em Travanca de Lagos foram referenciados e analisados 4 núcleos, embora daí não tenha resultado um circuito histórico turístico com os sepulcros assinalados e devidamente preservados.



Alto do Zambujeiro

Foram concluindo que, a sua existência é uma prova do povoamento que terá existido nesta região ao longo da Alta Idade Média, que são implantadas em afloramentos graníticos e geralmente situados em planaltos ou encostas, assim como, junto de caminhos vicinais (caminhos secundários que ligavam as populações vizinhas). Em Travanca são disso exemplo, as Sepulturas do Alto do Zambujeiro, da Quinta do Moreira de Baixo e a necrópole do Gorgulão.


Alto do Zambujeiro


Constataram que surgem habitualmente compostas por um conjunto de 2 ou 3 campas e dispersas ao longo do terreno, constituídas por agregados familiares, que habitariam em pequenos casais agrícolas e que optariam por enterrar os seus membros nas imediações das suas habitações, como poderia ser o caso da Quinta do Moreira de Baixo em Travanca.

Quinta do Moreira de Baixo 


Quinta do Moreira de Baixo, junto a um caminho vicinal


Foram identificadas algumas estações arqueológicas com o nome de Lugares, referindo o Gorgulão na freguesia de Travanca de Lagos como um exemplo, que corresponderia a mais do que um núcleo familiar, talvez com laços de parentesco entre si. Alguns desses Lugares transformar- se- iam em Vilas-aldeia, como poderá ter sido esse o caso de Travanca de Lagos, onde foram encontradas junto à fonte da igreja, bem no meio do perímetro urbano, várias sepulturas escavadas na rocha, que poderiam fazer parte de uma Necrópole e assim justificar essa teoria.
Sepulturas no Gorgulão
Em relação à associação entre o espaço funerário e o religioso, Travanca também é referido como um exemplo precoce dessa prática, contudo só no final da Alta Idade Média se observa a emergência dos Lugares e do Binómio Necrópole/Templo.

Sepulturas no Gorgulão
A Igreja de Travanca construída junto ao espaço funerário mostra uma continuidade e ao mesmo tempo uma transição para a modernidade. Realce-se que esse mesmo espaço de enterramentos da Alta Idade Média se manteve para a mesma prática funerária, agora de cariz cristão, até meados do séc. XVIII, pois mais não é do que o Adro da Igreja, hoje assinalado por um cruzeiro construído nos primeiros quarteis do séc. XX.
Cruzeiro do Adro da igreja

Nos últimos anos muito se avançou na interpretação deste legado ancestral, mas também muito fica ainda por perceber. A dificultar a sua compreensão estará com certeza a falta de vestígios osteológicos dos inumados, bem como de eventual espólio funerário, que acompanharia o morto. Esta situação deve-se ao facto do material orgânico não resistir à acidez dos suportes graníticos, onde se encontram talhadas as sepulturas, mas também à violação das campas, que raramente chegam seladas à actualidade. Pela “pequena” quantidade de sepulturas que são encontradas é também de crer que este tipo de enterramentos não seriam exclusivos da época havendo certamente outras formas de o fazer. Também é certo que muitas terão sido destruídas ao longo dos tempos, como exemplo, a destruição dos afloramentos graníticos para a exploração da pedra, reconversão de terrenos, etc. É de sinalizar também que nas imediações destas quintas agrícolas existam muitas vezes associados lagares escavados na rocha, já falados num post anterior, e que , se não foram contemporâneos com as sepulturas, pelo menos mostram uma continuidade no povoamento  nessas explorações agrícolas.


Resta-nos esperar por novos trabalhos que nos tragam clarividência e novas perspectivas. Ao mesmo tempo esperar que todo este património seja devidamente reconhecido como um legado importante, devendo ser preservado e divulgado, como aliás, já acontece noutros concelhos vizinhos.

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